- Termina logo que já é quase meia-noite!
Eu já tinha ouvido todo tipo de desculpa, mas essa era nova. Será que ela ia virar abóbora?
- Relaxa, tá muito bom como sempre, mas não posso fazer sexo na sexta-feira santa. É pecado. Você é católico, sabe como é...
Não, não sou católico, sou ateu. E pela quantidade de indecências que eu já tinha feito com essa mulher, naquela noite e em outras, imaginei que ela também não fosse exatamente religiosa. Também por isso não a mandei tomar naquele lugar. Seria mero exercício de retórica. Então, terminei. Logo. Sorte dela ter um ponto de ônibus bem em frente à minha casa.
“Bom, se terminou, tá reclamando do quê?” De fato, numa visão tacanha, objetivo cumprido. Só que fiquei incomodado. Enquanto indicava à menina a direção do ponto de ônibus (afinal sou um cavalheiro), eu já elaborava a minha vingança. Não contra ela, mas sim contra todo esse status quo religioso que me impediu de demorar mais pra terminar e, eventualmente, terminar mais duas ou três vezes. Eu iria dedicar a minha sexta-feira santa ao secularismo. Uma sexta-feira atéia, por que não?
A primeira providência foi ligar para um amigo igualmente ateu e combinar um almoço num rodízio de carnes. Ao chegarmos à Floripana, o primeiro sinal de preconceito religioso: um aviso na porta informava que o restaurante não abriria na sexta-feira santa. Senti-me ofendido, pois o que o cartaz verdadeiramente dizia era “morram, ateus, vocês não merecem comer!” Rumamos então ao Beira-Mar Grill, que estava aberto, embora tenha afixado na porta um cartaz para os carolas: “estamos servindo peixes”. Ou seja, corajosos, mas nem tanto. O importante é que comi muito bem, refestelei-me com a carne de muitos tipos de animais mortos, que se sacrificaram por mim. Sim, inclusive baby-beef. Ah, e bebemos também. Tenho dúvidas quanto ao procedimento em relação ao álcool na sexta-feira santa. Como a minha sexta-feira era atéia, bebi. Pouco, mas bebi.
De barriga cheia, dediquei minha tarde à leitura de um livro pouco religioso. Não, não é o manifesto comunista. Minha fase vermelha durou apenas alguns meses entre 1999 e 2000. Daí eu fiz 18 anos e passou. O livro, na verdade, era sobre as desventuras de um solteirão londrino e seus relacionamentos superficiais, repleto de preconceitos e tiradas sarcásticas sobre as peculiaridades femininas. Não necessariamente do mal, mas certamente não era do bem. Enfim, um cara que eu queria ser e um livro que eu queria escrever. Boas idéias, que serão utilizadas no futuro, com mulheres de verdade e fictícias. Caso existisse, Deus certamente não iria gostar de ver essas idéias postas em prática.
Havia algo sobre ter que descansar na sexta-feira santa, não? Na dúvida, fui correr na Beira-Mar. Na metade do percurso, havia um show religioso, no trapiche, muito provavelmente cortesia do nosso vice-prefeito evangélico. Fiquei puto, pois aquela manifestação, que me afrontava enquanto ateu, me obrigaria a reposicionar
Um comentário:
"Minha fase vermelha durou apenas alguns meses entre 1999 e 2000. Daí eu fiz 18 anos e passou."
Hahahaha! Mas ainda vives num ambiente notoriamente vermelho (ou de tons parecidos).
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